As universidades são ambientes naturalmente voltados para a reflexão, o estudo e a produção do conhecimento científico, partindo-se, muitas vezes, das pesquisas de base e das formulações puramente teóricas. Essa vocação fundamental, no entanto, convive cada vez mais com outra, que atua, ainda dentro dos muros da Academia, para transformar esse conhecimento em bens, serviços e processos produtivos inovadores. E uma das formas disso se manifestar é através do empreendedorismo universitário.

Segundo dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), entre 2011 e o fim de 2019, a quantidade de empresas dentro de universidades aumentou em 20 vezes. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) percebe-se a mesma tendência de expansão, dado o número cada vez maior de pessoas que, ainda sem diploma, se lançam no empreendedorismo e criam soluções para o mercado.

Assim, para desmitificar o empreendedorismo que acontece (ou que pode acontecer) dentro dos muros da universidade, convidamos a professora Iris Pimenta – gerente executiva da incubadora de empresas Inova Metrópole, do Parque Tenológico Metrópole Digital – para um papo esclarecedor sobre algumas das principais dúvidas que os estudantes costumam ter sobre como é possível criar uma startup enquanto se está na universidade.


Professora, é preciso ter muito dinheiro ou uma sede para começar uma startup?

Iris Pimenta: A gente normalmente acha que, para começar a empreender, é preciso ter uma grande estrutura, uma sede, uma grande equipe, ter muito dinheiro para investir, etc. Mas o que, na verdade, a gente encontra é uma realidade bem diferente. Os empreendedores universitários estão começando. Hoje, inclusive, existe uma abordagem chamada “Effectuation”, que encoraja o empreendedor a começar com os recursos e com a equipe que ele tem, de modo que, com o tempo, vai atingindo os objetivos desejados para a criação de um negócio. Então, é preciso ter muito dinheiro? Eu diria que é preciso ter o suficiente para começar e, além disso, é preciso definir por onde e o que é preciso fazer para começar. Outro aspecto importante é buscar o aprendizado validado. Quem aborda esse assunto de maneira muito clara é o autor Eric Ries, em seu livro “A Startup Enxuta”. Ele mostra como os empreendedores podem aplicar ou criar, medir e aprender buscando, de fato, o aprendizado validado. E isso funciona da seguinte maneira: por um lado, nós temos uma lógica de fazer startup – de fazer produtos e serviços – e, por outro lado, uma lógica de produção “empurrada”, segundo a qual a indústria simplesmente produz e entrega aquele bem. Nos dias de hoje, essa lógica “empurrada” já não funciona mais, pois buscamos mostrar para os empreendedores que tudo deve começar na dor e na necessidade do cliente. A partir daí, ele vai desenvolvendo uma nova solução e vai validando junto ao cliente – isso é o que Eric Ries chama de aprendizado validado. O autor também traz um princípio interessante: os empreendedores estão por toda parte. Uma startup, segundo Ries, é uma instituição humana projetada para criar novos produtos e serviços sob condições de extrema incerteza. E essa realidade não é apenas a do pequeno empreendedor. Outro dia eu assisti a uma palestra da Luiza Trajano, empreendedora da Magazine Luiza, e ela falou uma frase que me marcou bastante: “no mundo de hoje, somos todos startups”. Todos nós vivemos nessas condições de extrema incerteza, então a nossa capacidade de mudar, de buscar atender essas demandas devem ser prioridade para todos nós. Então é preciso ter uma sede para fazer isso? Não, os empreendedores estão em todas as partes, lembra? É possível, inclusive, empreender dentro da empresa na qual você trabalha, ou mesmo como aluno universitário. Então existem espaços diversos, não é necessário uma sede ou uma grande estrutura para começar.


É preciso já ter o diploma universitário para começar a empreender?

Iris Pimenta: Principalmente na área de TI, a gente observa que muitos alunos universitários já têm conhecimento de atividades como programação, por exemplo, e já desenvolvem serviços para empresas. Então, do ponto de vista técnico, aquilo que pode ser necessário para desenvolver uma startup independe, na minha opinião, de um diploma universitário. O que vai contribuir de fato para o processo é que você tenha conhecimento. Portanto, quando você vai construir uma startup, é importante considerar que sua equipe seja formada por pessoas com outros olhares e com outras formações, como, por exemplo, Marketing e Comunicação. De todo modo, a gente vê que muitos alunos já tem competências técnicas e, por essas experiências anteriores, não precisam necessariamente terminar uma graduação para começar a empreender.


Mesmo sem a necessidade do diploma, é preciso ser “perito” em TI para desenvolver uma startup de sucesso?

Iris Pimenta: Perito é uma palavra muito forte (risos). Eu acredito que, apesar de estarmos em constante busca por conhecimento, a gente nunca vai ser totalmente “expert” em algo. Acho que à medida que você enxerga a necessidade de adquirir outros conhecimentos – estudando individualmente, praticando o que aprendeu ou até mesmo trazendo pessoas com outros conhecimentos para a sua equipe – é que você vai se desenvolvendo. Então não acho que você precise ser perito em TI, o importante é buscar uma equipe com conhecimentos complementares ao seu e ter a vontade de continuar aprendendo sempre.


E se eu não conseguir sucesso de primeira, estarei gravemente endividado?

Iris Pimenta: Isso vai depender das escolhas que você fez ao longo da gestão do negócio. Empreender envolve, sim, recursos, independentemente se são recursos financeiros, de tempo ou até emocionais – já que é possível se frustrar com o processo. Então isso tudo faz parte da atividade empreendedora e o risco é inerente. Mas existem dois caminhos que você pode seguir. O primeiro é o caminho “louco”, em que você não faz um planejamento, simplesmente sai fazendo e sai investindo. Isso vai aumentar o seu apetite ao risco e, consequentemente, envolve mais recursos financeiros, emocionais e de tempo e, no final, pode dar errado. Por outro lado, o caminho que a gente recomenda, que é embasado, inclusive, pela literatura, é o de minimizar o risco por meio do aprendizado validado. O empreendedor não precisa esperar concluir um produto, um software, etc, para só assim testar ou entregar para o cliente. Às vezes o que ele precisa mesmo é começar e validar com aquele cliente se aquela ideia resolve ou não o problema dele. O segredo é antecipar, validar aos poucos e mostrar gradualmente o que está sendo feito, de modo a corrigir possíveis erros no tempo certo.


Preciso ser criativo para empreender algo inovador?

Iris Pimenta: Eu começaria falando um pouco sobre o que é criatividade. Normalmente, a gente fala que a criatividade está associada, necessariamente, a ser criativo, a pensar fora da caixa naturalmente, ter ideias originais, não seguir padrões pré estabelecidos, etc. A criatividade é algo extremamente essencial dentro de empresas e de salas de aula e existem vários tipos de criatividade, mas como a gente busca essa criatividade? Como a gente começa a ser criativo?

Na verdade, quando somos crianças, somos até bem criativos. A gente cria novas brincadeiras, a gente faz desenhos e pintamos de formas diferentes e não-convencionais e, com o tempo, a gente vai se colocando “dentro da caixa”, ou seja, nos padrões da vida real. Então como fazemos para resgatar isso que tivemos na infância? É importante entender que a criatividade é um processo de quatro etapas. A primeira consiste na preparação, coletando o máximo de informações possíveis. Questionar ideias, falar com pessoas diferentes, vivenciar experiências novas, comer coisas diferentes, fazer passeios e diferentes leituras... Isso é o que a gente chama de preparação, momento no qual a gente amplia o nosso repertório, e é justamente ampliando esse repertório que se consegue gravar na memória situações e momentos para que a boa ideia apareça junto ao problema a ser solucionado. Então, após isso, entra a fase de incubação, quando aqueles conhecimentos e experiências ficam guardados na memória e, quando determinada oportunidade aparece, acontece o que a gente chama de “iluminação”, que é quando a ideia criativa surge de fato. Mas perceba que ela não surge do nada, ela veio das suas experiências anteriores, das suas leituras, etc, que ficaram armazenadas em algum lugar na sua mente. Por fim, a última fase é verificar se a nova ideia é capaz de atender a determinada situação. Então acredito que a criatividade não está necessariamente no ser, mas no buscar continuamente um melhoramento de repertório, guardá-lo bem na memória e saber como usá-lo na hora certa.


É possível ser jovem ou velho demais para começar uma startup?

Iris Pimenta: Quando se é jovem, o ponto positivo é que se tem mais chance de recomeçar em caso de erro. Então esse processo acaba sendo mais flexível e o jovem, na minha opinião, acaba sendo mais resiliente para retomar o negócio. Quando se é mais velho o ponto positivo é que se tem mais experiência, a pessoa já observou e vivenciou bastante coisa, situações que deram certo ou não, e ela conseguiu aprender com isso tudo. Então ser experiente traz um olhar muito interessante para quem quer empreender. É claro que a tolerância à falha de alguém mais jovem pode ser um pouco maior, mas acredito que isso varia muito nos indivíduos e não cabe a mim generalizar. Existem jovens avessos a riscos e pessoas mais velhas que se aventuram e recomeçam quando é preciso. Então é mais importante verificar o perfil de cada um. Identificar- se com o perfil empreendedor é algo que independe se você é velho ou novo.

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